quinta-feira, 2 de abril de 2015

Manoel

© Diogo Pereira, 25.11.13 - Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra


Faltava precisamente um mês para o Natal de 2013. Completavam-se 350 anos desde que o Padre António Vieira havia proferido o seu único sermão na Capela de São Miguel, na Universidade de Coimbra. Lima Duarte, ator brasileiro, era a estrela que do alto da capela proferia o sermão de Santa Catarina.

Não cabia mais ninguém na pequena capela, vizinha da velha Joanina. Acorreram às centenas, senão mesmo aos milhares, as pessoas que queriam ver de perto Lima Duarte dizer António Vieira. Os lugares eram poucos para as vontades. Muitas foram contrariadas e acabaram por ter que ver e ouvir as palavras com 350 anos nos ecrãs do auditório da Universidade.

Aberta uma exceção, parou um carro junto à entrada da capela. Com ajuda, saiu do seu interior Manoel de Oliveira. O cineasta estava cansado. Embora tivesse andado nos últimos dias por essa Europa fora, Manoel fez questão de estar presente naquele dia em Coimbra para acompanhar tão importante dia. Durante a tarde não teve qualquer intervenção. Mas foi muito abordado na alta universitária. 

Quando o sermão terminou foi diretamente para o Teatro Académico de Gil Vicente. Enquanto o reitor da Universidade de Coimbra, a vice reitora, Lima Duarte, diretores do Gil Vicente e demais organizadores e participantes do dia de comemorações jantavam no primeiro piso, Manoel jantava num dos camarins à entrada do palco. Omelete de claras, foi o jantar de quem o estômago e as pernas já não toleram grandes repastos.

Manoel de Oliveira estava ali para, com Lima Duarte, apresentar o filme "Palavra e Utopia" em que o ator brasileiro havia sido protagonista. A sala não estava cheia. Nem a meio. Não era justo ninguém querer cumprimentar a história.

A sessão não começou a horas. Teve um atraso de 20 minutos. Durante este tempo caminhei para a frente e para trás na sala branca do TAGV. Esperava poder fotografa-lo antes de entrar no auditório. O mestre apareceu, finalmente. Não me pareceu gostar de fotografias. Perguntou porque queria eu fazer aquilo. Expliquei que queria ter uma fotografia de mais uma passagem do mais antigo cineasta português pelo TAGV. Não sabíamos se seria a última. Mas era muito provável que fosse. E foi.
© Diogo Pereira, 25.11.13 - Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra

Depois de me autorizar a tirar não mais que duas fotografias - estava notoriamente enfadado dos flashes e do burburinho do dia - levantou o braço e ordenou-me que parasse. Acompanhei-o até ao interior da sala. Pelo caminho um jovem aperta-lhe a mão e agradece-lhe a obra que construiu. Manoel sorriu. Claro que gostava que o elogiassem.

Já dentro da sala, antes do início do filme, Manoel tem a palavra. Trémula a sua voz disse não ser fácil ter 104 anos. 

Quando terminou o seu discurso não quis ser aplaudido sozinho. Caminhou o mais rápido que as suas pernas permitiram e foi buscar pela mão Lima Duarte. Queria dividir com ele os aplausos. Depois, sentaram-se juntos e assistiram mais uma vez ao "Palavra e Utopia". Foi a última vez.
© Diogo Pereira, 25.11.13 - Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra

1 comentário:

  1. Não foi das pessoas mais elogiadas em vida apesar do seu trabalho magnífico

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