terça-feira, 31 de março de 2015

A Ditadura Perfeita

"O grande irmão está a observa-lo" 1984 de George Orwell
Winston Smith não vale nada. É mais um homem entre tantos que veste o fato de macaco azul e trabalha para o bem comum que é definido pelo partido. O partido sabe o que é melhor para todos. Winston tem uma missão: dar razão às medidas que o partido toma e pôr a história do seu lado. 

O dia deste homem é passado em frente à secretária onde retifica notícias de The Times para que fiquem condizentes com a postura e tomadas de posição do partido. O objetivo do Ministério da Verdade - onde Smith trabalha - é, precisamente, a mentira.

Winston, e todos os habitantes da Oceania, vivem vigiados pelos telecrãs que estão espalhados por todos os locais, quer sejam as casas dos elementos do partido, os locais de trabalho dentro dos ministérios e até o refeitório.

1984, publicado em 1949, retrata uma espécie de ditadura perfeita em que quem manda tem acesso a todos os passos de quem obedece, mantendo-os controlados. George Orwell imagina no seu popular romance, uma forma de contornar aquilo que eram os problemas de controlo das ditaduras da época em que se inspirou. Saber o que cada cidadão faz, como faz e porque faz, tentando ir até ao impossível: o que pensa.


Citizenfour (2014) de Laura Poitras
Laura Poitras procurou mostrar ao mundo aquilo que é, verdadeiramente, uma ditadura perfeita. Não muito distante daquela que parecia ser uma quimera de Orwell. Citizenfour acompanha Edward Snowden pelo mundo dos dados, da informação que é onde reside o poder. Sempre residiu, no entanto, nunca como hoje o acesso aos dados foi tão fácil e tão massivo.

Quando publicamos estados de alma nas redes sociais, quando entregamos a nossa correspondência eletrónica a uma empresa a quem não conhecemos intenções, quando utilizamos cartões eletrónicos para fazer pagamentos, quando utilizamos aplicações móveis onde mostramos a nossa localização, quando nos fidelizamos num supermercado e registamos nos cartões promocionais todas as nossas compras, quando fornecemos dados pessoais por tudo e por nada ou quando fazemos uma série de outras coisas, estamos a criar um perfil. O nosso próprio perfil de vida. Estamos a dizer quem somos, o que somos, do que gostamos, do que não gostamos e, em última análise, como pensamos.

Associadas a todos estes atos, as intenções deliberadas dos governos dos países onde vivemos são preocupantes. Snowden conta como a administração norte americana controla os seus cidadãos e, mais grave ainda, os cidadãos que não tutela, de outros países. A monitorização de emails ou até mesmo a gravação das chamadas que fazemos, sem conhecimento público, levam os Estados Unidos a possuírem informações que podem ser utilizadas para controlar melhor as pessoas no século XXI do que nos tempos que Orwell imaginou.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Isabelle Oliveira: A Aldrabona

©Expresso 21.2.15 e Visão 19.3.15
"Aos 38 anos, Isabelle Oliveira, professora e investigadora luso-francesa, acaba de tomar posse como vice-reitora da Universidade de Sorbone, em Paris".

Começa assim o artigo do semanário Expresso, na página 23 do primeiro caderno do dia 21 de fevereiro. Orgulho nacional? Não. A Isabellinha (com dois L´s) não passa de uma aldrabona.

O artigo do jornal vem ilustrado com uma fotografia da intrujona com ar firme e inabalável e a ponte 25 de abril em fundo. Isabelle caminha em direção ao sucesso.

Na edição de hoje da Visão (1150) esta mulher que sempre presou "ser Oliveira e não Olivier" - tem orgulho em ser lusa - perdeu a sua fraca cabeleira pintada de ruivo com os cabelos brancos a espreitar e descobriu-se-lhe a careca.

Isabelle Oliveira não é vice-reitora e nem sequer tem ligações à Sorbone. É, isso sim, diretora de um departamento de outra universidade: Sorbone Nouvelle Paris 3. Cerca de 800 anos mais nova que a mítica universidade francesa.

Se esta senhora não é vice-reitora, como foi o Expresso e outros jornais, capazes de noticiar este feito? Fica a pergunta.

terça-feira, 17 de março de 2015

O Prisioneiro 43

© El Mundo, 15.3.15
O jornalista espanhol Javier Espinosa utiliza 5 páginas do suplemento semanal Crónica do jornal El Mundo (9214) para relatar o que viveu durante os 194 dias que forçosamente se entregou aos radicais do Estado Islâmico (vou abster-me de preceder o nome Estado Islâmico de autodenominado).

Nas páginas, carregadas de sensações fortes, Javier Espinosa conta como foi ser capturado juntamente com o seu reporter fotográfico, Ricardo García Vilanova e como foi conviver com James Foley e John Cantlie nos seus últimos dias de vida.

A história que hoje se apresenta deveria ter sido relatada há mais de um ano, altura em que os jornalistas foram libertados. Não o fizeram. Ameaçaram matar os reféns que ficaram em cativeiro, declara Casimiro García-Abadillo, diretor do El Mundo e confirma Espinosa na sua crónica.

"O fio da espada roçava-me a jugular. Os Beatles – era esse o nome que usávamos para nos referirmos aos três militantes – sempre gostaram de testar-nos. Sentaram-me no chão. Descalço. Com a cabeça rapada. Uma barba imensa e um uniforme laranja que celebrizou, tristemente, a prisão norte-americana de Guantánamo. John tentou aumentar o dramatismo. Acariciava-me o pescoço com o aço sem deixar de falar." 

É desta forma que o jornalista começa a contar a terrível situação porque passou acrescentando que, depois disto, foi-lhe apontada uma arma à cabeça e o gatilho foi premido. Três vezes. Apercebeu-se de que não estava morto quando ainda respirava. "Chama-se falsa execução", esclarece. Embora tenha visto o carrasco carregar a Glock, ela estava bloqueada. Mas Espinosa não sabia.

Espinosa vestia um uniforme laranja. Tinha o número 43 e era uma réplica do fardamento dos prisioneiros de Guantanamo. 

Não havia espaço a perdões ou arrependimentos. Embora James Foley e John Cantlie tenham afirmado ser  de origem Paquistanesa, acabaram mortos sem piedade por verdadeiros ocidentais sem escrúpulos.
© El Mundo, 15.3.15
"Sentes? Está frio, não está? Imaginas a dor que sentirás se eu tu cravar? O primeiro golpe cortar-te-ia as veias. O sange misturar-se-ia com a saliva..."

Esta é a frase destacada por El Mundo para anunciar a crónica de Espinosa. A publicidade perfeita. Parece até um daqueles casos em que os jornais dão a primeira página aos anunciantes. 

Neste caso o anunciante chama-se Estado Islâmico. Não paga pelo anúncio. Não quer vender nada. Quer, apenas, ter reconhecimento pelos atos que leva a cabo.

Assim como a morte de James Foley e John Cantlie serviram uma audaz campanha publicitária, também a libertação deste jornalista serve o mesmo propósito. É bom matar. Impressiona. Mas também é bom libertar. Comove.

A situação que se vive naquelas zonas do Iraque e da Síria é mais do que uma guerra de armar protagonizada por terroristas. É a utilização dos meios de massa como nunca foi possível até aqui. Os média, neste momento, são apenas a arma do crime porque não podem controlar o que circula e contornar simplesmente o que se passa não é opção.

O jornal espanhol El Mundo fez uma transposição da crónica de Espinosa para o seu site com elementos novos como vídeos e infografias. Pode ser acedido aqui!

sexta-feira, 13 de março de 2015

Mujica: "Viver É Superar As Coisas Que Ficam Para Trás E Ter Outras Para A Frente"

© Expresso
Na última edição do semanário Expresso (2210) o jornalista Márcio Resende teve a oportunidade de entrevistar um dos chefes de estado mais carismáticos do mundo. E não foi fácil. De entre as milhares de solicitações, José Alberto Mujica Cordano escolheu pessoalmente o semanário luso para aprofundar relações entre o Uruguai e Portugal. 

É na sua chácara, distante do centro de Montevideu que sempre morou e continua a morar. Retirando, claro está, os quase quinze anos que esteve preso aos braços da ditadura militar. Vive em 45 metros quadrados debaixo de um teto de zinco. Recusou a residência oficial e recusou também as formalidades. Quando o jornalista chega à casa de Mujica encontra um polícia, sem farda, que o cumprimenta.

Este homem, de 80 anos, foi o responsável por colocar o Uruguai no mapa mundial. É, inclusivamente, mais popular no resto do mundo do que no seu próprio país. "Ninguém é profeta na sua própria terra", ironiza.

Quanto a inovação está em quase todos os tops possíveis. Foi o segundo país da América Latina a legalizar o aborto e a permitir o casamento homossexual e tornou-se no primeiro estado no mundo a regular a produção, distribuição e venda de marijuana. Ajudou no reatar das relações entre Cuba e EUA, recebeu presos de Guantanamo e doa 87% do seu salário.

Não serão apenas virtudes. Não há homens perfeitos. Mas Mujica tem valores vincados que segue à risca. Da entrevista ficam as palavras mais inspiradoras:


"Viver é superar coisas que ficam para trás e ter outras à frente."
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"Do ponto de vista da temperatura social, os seres humanos tendem sempre a considerar que houve um passado melhor. Porque quando pensamos assim, lembramo-nos da nossa juventude. Naturalmente, não há passado mais lindo do que a juventude."
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"Nenhum vício é bom, a não ser o do amor."
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O jornalista pergunta o que sentiu quando um jornalista fumou à sua frente durante uma entrevista:
"Senti pena. Porque ele fez isso como um processo libertador. Mas que libertador?! É a construção de uma escravidão!"
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"Creio que se aprende muito mais da dor do que da bonança. A bonança envaidece, idiotiza, torna tudo fútil."
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"Alguns como eu pensam que é possível a construção de um mundo melhor. Mas é possível que esse mundo melhor seja a marcha constante. Não quer dizer que cheguemos a uma terra prometida. Quer dizer que damos conteúdo à vida de lutar por esse mundo melhor."
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"A Europa tem uma profunda dependência da batuta alemã. A Alemanha conseguiu na paz o que não conseguiu alcançar com duas guerras."
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"Outro erro foi a Ucrânia, foram longe demais no mapa. Estaria bem se tivessem deixado a Ucrânia em stand by. Mas cometeram o erro de pedir mais do que podiam dar."
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"O problema não é Putin. É a Rússia."
Entrevista disponível aqui!

quinta-feira, 12 de março de 2015

De Gaudi Para Gaudi ▷

em Barcelona, Espanha
Antoni Gaudi é a figura de Barcelona. É indissociável. São as casas, a catedral e o parque. 

Guell queria uma urbanização para pessoas de classe alta, longe do centro da já grande cidade. Ao que parece não houve muitos interessados em comprar as casas que quase não se construiram, com exceção de alguns exemplares. Os suficientes para tornarem este espaço num local de culto.

Estrategicamente localizado, a partir dele é possível perder a respiração ao olhar sobre a cidade catalã. É ainda incrível olhar desde o parque concebido por Gaudi para a catedral concebida por Gaudi e para a torre inspirada em Gaudi: a Torre Agbar. 


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terça-feira, 10 de março de 2015

A Cidade Da Cerveja Ou A Cerveja Da Cidade? ▷

em Dublin, Irlanda

Dublin está intimamente ligada ao negócio da cerveja. Desde 1759 que dá o sustento a muitos irlandeses e, ainda hoje, se reflete na capacidade produtiva e de exportação do país.

A cerveja Guinness é um símbolo de Dublin. Até podemos inverter os papeis e dizer que Dublin é um símbolo da cerveja Guinness. Não é um exagero. Foi a cerveja que escolheu para si o símbolo da arpa e só depois Dublin o escolheu como seu também.

A melhor forma de conhecer a Guinness é, claro, provando-a. Desta forma conseguimos descreve-la muito pessoalmente, mas, como qualquer marca de sucesso, tem uma história para contar e, a oeste da cidade, o museu da Cerveja Guinness conta como se fez e como se faz esta bebida escura que tanto se pode beber como comer.



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segunda-feira, 9 de março de 2015

Encontros Em Torno Do Documentário

em Coimbra, Portugal
A convite da secção de jornalismo da Faculdade de Letras da UC, estive no passado dia 3 de março a apresentar o meu documentário na Casa das Caldeiras. PosDoc, Encontros em torno do documentário é o nome da iniciativa que continua nas próximas semanas.
Casa das Caldeiras, 3.3.15

Destaque no "Diário de Coimbra", dia 2.3.15

Cartazes e flyers promocionais do evento

domingo, 8 de março de 2015

Jornais Futebolísticos

   
Jornais O Jogo, Record e Abola de 8.3.15

Esta conversa já começa a tresandar a lugar comum. No entanto, como tenho um ódio de estimação ao jornalismo desportivo português, aqui vai.

Na realidade o problema começa precisamente pela definição do tipo de jornalismo que jornais como Record, A Bola e O Jogo fazem. Embora o estatuto editorial do Record diga, claramente, que é "especializado em desporto", não há dúvida para ninguém que o futebol é quem mais ordena.
Hoje, louvado seja A Bola, os periódicos que vendem mais de 70 mil exemplares por dia (de acordo com a Associação Portuguesa para o Controlo de tiragem e circulação - dados do 6º bimestre de 2014, somando O Jogo e Record) decidiram dar primazia ao desporto rei, o futebol, em detrimento da vitória de Nelson Évora nos europeus de atletismo.

Digo louvado seja A Bola porque deu o destaque merecedor a este acontecimento, no entanto não fica isento de críticas noutras circunstâncias e, mesmo nesta, não há informação de que tivesse em Praga um correspondente, só um, para cobrir um evento em que tantos portugueses participam e se destacam.

Também os generalistas ficam mal na fotografia quando, em eventos desportivos onde nada de relevante se consegue têm batalhões de jornalistas e, noutros, onde há verdadeiros feitos para o desporto nacional, escusam-se de marcar presença.

sábado, 7 de março de 2015

Michio Kaku

Na semana que passou o Expresso deu-me a conhecer Michio Kaku, um físico americano que é descrito pelo correspondente do semanário nos EUA como um "manipulador mental de equações das teorias da relatividade e da física quântica". Ele próprio, depois de confessar a admiração por Einstein admitiu estar a manipular equações enquanto respondia às perguntas do jornalista. Dá aulas no City College University of New York, escreve livros, assina programas de televisão e ainda dá conferências por todo o mundo - vai estar em Portugal no próximo dia 12 de Março.

O investigador de topo olha para o futuro da informação e crê num capitalismo perfeito com o acesso imediato às informações através de lentes de contacto que serão ecrãs. Desta forma as pessoas poderão ter acesso às informações de preços e, assim, não serem enganadas ou poderem optar pelos produtos mais baratos. No entanto Kaku não acredita num domínio total das tecnologias. Apesar de, por exemplo, acreditar que os média vão estar totalmente no digital, não despreza aquilo a que chama de "capital intelectual". Para isso compara dois países que diz conhecer bem: a Rússia e a China. O país de Putin, afirma, pode sofrer com a importância económica dada ao petróleo. Por outro lado, afirma que a China percebe que, para além de toda a indústria, as mentes são fundamentais. E, reitera, mentes não podem ser produzidas em massa. É preciso tempo. Tempo de formação em escolas e universidades.