segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A Culpa É Do Jornalismo

Dediquei uma parte substancial do ano 2013 a trabalhar num documentário sobre o Futuro do Jornalismo. Coloquei questões a pessoas que, de alguma forma estão ligadas ao jornalismo, e tentei chegar à conclusão óbvia: como vai ser o jornalismo daqui a uns anos. Não consegui uma resposta clara. Há quem esteja otimista e há quem esteja pessimista, no entanto todos chegaram à conclusão de que o jornalismo vive uma das piores fases da sua história.

Depois de terminar e apresentar este trabalho continuei a pensar no assunto. "Quando for grande" quero ser jornalista e, logicamente, o tema interessa-me. Cheguei a algumas conclusões. A principal de todas é que a culpa da crise do jornalismo é do próprio jornalismo.

Ora vejamos, os jornalistas não são mais do que pés de microfone. O jornalismo não procura a notícia. A notícia é que procura o jornalismo. Falamos nas redes sociais e nas formas de como as entidades (sejam elas quais forem) conseguem chegar aos seus públicos através do facebook, twitter, sites poderosos e até mesmo canais de televisão. No entanto, o jornalismo não sofre pela existência destes meios mas por os replicar insistentemente.

Se Cavaco Silva escreve uma mensagem no seu mural de Facebook, todos os órgãos de comunicação social escrevem sobre o post presidencial. 

Se o Presidente do Porto, Benfica ou Sporting falam aos canais dos respetivos clubes, estas entrevistas são automaticamente transformadas em notícias de todos os órgãos de comunicação social. 

Se o Ricardo Araújo Pereira chama todos os jornalistas para estarem na TVI, mesmo sem dizer o objetivo da conferência de imprensa, lá estão todos os jornalistas prontos para esticar o microfone e fazer um artigo no dia seguinte.

Se o Paulo Portas decide fazer uma "conferência de imprensa" mesmo sem dar direito a que os jornalistas coloquem questões, lá estão as televisões todas a fazer diretos, muitas vezes sem sonharem com os conteúdos das mensagens proferidas.

O problema do jornalismo é grave. Muito grave mesmo. O jornalismo serve para perscrutar toda a informação. Para além disto, só uma entrevista feita por jornalistas "a sério" pode ter um objetivo claro de informar. Porque quando o Júlio Magalhães entrevista o Pinto da Costa no Porto Canal (sem sabermos bem se o está a fazer para o Porto Canal Generalista ou para o Porto Canal oficial do FCP) fica no ar a dúvida sobre o objetivo daquela entrevista que os órgãos de comunicação social vão imediatamente replicar.

Mas os males não vêm apenas de fora para dentro do jornalismo. O jornalismo é hábil na sua autodestruição. É nos principais blocos informativos das televisões generalistas que vemos os cancros a infetarem o sistema imunitário do já doente quarto poder. Marques Mendes é o mensageiro, ou melhor, o vidente e José Sócrates a voz da sua própria defesa e dos seus.

O jornalismo ainda tem poder. Só este facto justifica a necessidade constante de muitos quererem estar presentes em jornais, rádios ou televisões para além dos seus blogues ou páginas sociais. Mas com o avanço brutal do acesso à produção de informação, muito em breve o jornalismo estará trucidado.

Não sou um Profeta nem um fiel depositário da tão aguardada solução para o modelo de negócio do jornalismo do futuro mas creio que o jornalismo deve voltar a ser um verdadeiro poder. O poder da Liberdade. Deve controlar o que publica e apostar na qualidade. Prefiro pouco e bom. E a Democracia também preferirá.

domingo, 28 de setembro de 2014

Haja Solidariedade Na Europa


David Cameron tem andado a dormir mal. No início de 2013 encheu o peito de ar e tentou fingir que era um estadista querendo o melhor para os cidadãos que representa. Para isso prometeu fazer um referendo onde os britânicos pudessem decidir sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia.

Acontece que, talvez por motivos semelhantes, também uma grande parte dos cidadãos escoceses não queriam continuar no Reino de David.

Os escoceses independentes passariam a ter domínio sobre os seus próprios impostos, controlariam a exportação de petróleo do mar do norte e passariam a ser, segundo algumas estimativas, a 14ª potência mundial. Por outro lado, deixavam de pagar a grande dívida criada pelas outras nações irresponsáveis que compõem o Reino Unido. Só vantagens, afinal de contas ninguém tem que limpar a sujidade dos outros.

Olhando por este prisma, e tal como Salmond tem mais do que motivos para abandonar o Reino, Cameron tem motivos mais do que suficientes para querer que o Reino Unido saia da UE. A irresponsabilidade e ingovernabilidade de países como Portugal, Espanha ou Grécia não podem pôr em causa a grande potência, quiçá império, Britânica.

Ás voltas com estas questões do paga quem tem que pagar e recebe quem tem que receber andam também outras regiões de países que integram a União Europeia. São exemplo disso a Catalunha, em Espanha (que, por exemplo, exporta 26% do total de exportações espanholas) ou a Flandres, na Bélgica (que exporta 79% do total de mercadorias exportadas pela Bélgica).

Todos estes casos têm em comum a falta de solidariedade entre pessoas que têm mais em comum do que simplesmente o passaporte. Aquilo que está em causa não são questões relacionadas com direitos básicos mas simplesmente questões economicistas. Não interessa a cultura ou o bem comum. Interessa o próprio umbigo e o bem individual. Que sociedade é esta que, quando se vê confrontada com dificuldades, não é capaz de as partilhar para que seja menos mal para cada um?

P.S.: É importante salientar que, no caso do referendo na Escócia, a democracia mostrou o seu verdadeiro poder. Não ganhou o “não”. Ganhou a sociedade escocesa que não quis faltar a um momento de importância crucial para si próprios e para o resto do globo. Saíram todos à rua (84,5% dos eleitores foram votar). É a vontade de todos a definir as fronteiras que a vontade de meia dúzia definiu há uns séculos.

Texto originalmente publicado no site da Secção de Desfesa dos Direitos Humanos da Associação Académica de Coimbra.